TIAGO CHIOTE
Escola de Comércio de Lisboa | Formador
Quando no início do ano tudo nos levava a crer que continuaríamos a atingir números record no turismo e no retalho, com significativa incidência no canal Horeca, eis que nos bate à porta, sem pedir licença, uma espécie de terceira guerra mundial com uma configuração nunca antes vista – todos contra um e esse um invisível e com um modus operandi desconhecido.
Neste contexto, as empresas destes setores de atividade não tiveram tempo para respirar e foram subitamente obrigadas a adaptar-se a um novo enquadramento e a toda uma nova realidade. Se a resiliência como fator de sucesso empresarial era algo de que já se falava há muito, este é o momento em que a resiliência chama por nós sem qualquer hipótese de fuga.
Os números falam por si e reclamam uma mudança na atuação dos operadores de mercado. Em março assistíamos a um crescimento na ordem dos 10% no volume de vendas das empresas no setor do retalho alimentar – que tiraram partido da crise pandémica, mas na outra face da moeda víamos o retalho não alimentar registar quedas de 15% no seu volume de vendas, chegando mesmo a 36% em abril, face aos períodos homólogos de 2019 (fonte: INE). O setor da moda contribuiu em grande medida para estas quedas abrutas no retalho não alimentar, obrigando as empresas deste setor a um reajustamento dos seus quadros de pessoal e das suas estratégias, apesar dos vários apoios governamentais disponibilizados para combater a crise empresarial provocada pela pandemia.
Paralelamente, esta realidade obrigou o consumidor a olhar para o online como um “porto de abrigo” potenciando, em simultâneo, a descoberta de todas as oportunidades que este mercado oferece. Dia após dia, fomos assistindo a um crescimento notável em marketplaces como a Amazon, Wallmart, alibaba ou a Farfetch (esta última, o maior marketplace português de vestuário e calçado e que, em julho de 2020, atingiu um crescimento no volume de vendas de 74%).
Se dúvidas havia de que as compras online são o presente e não apenas o futuro, os resultados que o mercado nos está a oferecer no contexto da pandemia não deixam quaisquer dúvidas. Estou convicto que os retalhistas e as marcas cujos os resultados dependem sobretudo das transações em pontos de venda físicos, sofrerão grandes dificuldades nos próximos anos. Neste momento, a questão que se coloca é saber que marcas conseguirão sobreviver no mercado a curto/médio prazo e de que forma.
Mais do que explorar o e-commerce ou os canais de vendas online, considero absolutamente fundamental que a estratégia das marcas e dos retalhistas inclua três pilares essenciais: uma estratégia Omnichannel, experiência do consumidor no ponto de venda e sustentabilidade.
Constatamos que a maior parte dos players que atuam neste mercado já tem uma presença multicanal, mas estará a transformação para Omnichannel ao alcance de todos? O consumidor é hoje mais informado e mais exigente em todo o processo e os retalhistas deverão ter a capacidade de o identificar e tratar de forma transversal e personalizada, independentemente do canal em que este se encontra.
Para tal, não é suficiente adotar uma estratégia One to One com grandes investimentos em softwares de ERP ou CRM destinados a permitir uma análise eficiente e um acompanhamento eficaz do cliente. Será crucial não descurar uma parte essencial do “puzzle” que consiste tanto na formação necessária aos colaboradores para garantir que estes tiram o máximo partido da análise e da adequação das estratégias, como na informação que os vendedores dispõem em loja para assegurar a coerência nos resultados.
Quanto à transformação digital nos pontos de venda físicos, é certo que a mesma já não representa uma novidade. No entanto, nos tempos que correm parece-me indispensável que as ferramentas digitais sejam finalmente percecionadas pelos retalhistas como um investimento e não como um custo. Refiro-me, por exemplo, a soluções que possam medir o percurso do consumidor em loja e o seu comportamento ao nível do consumo e que se mostram essenciais para melhorar a experiência de compra do consumidor. Em tempos em que o online ganha expressão de uma forma alucinante, os retalhistas devem ser capazes de criar uma experiência única e dinâmica no ponto de venda, sob pena de se tornarem espetadores passivos do online e serem “esmagados” pela concorrência.
Finalmente, quanto ao terceiro pilar, a pandemia está também a despertar nos consumidores uma maior sensibilização para a lógica do consumo responsável, o que implica um maior interesse da sua parte pelos valores pelos quais as empresas se pautam e pelas causas que apoiam.
Neste sentido, considero que um dos grandes desafios das empresas será perceber de que forma a sua marca conseguirá definir com clareza o seu propósito e compreender qual o seu impacto e/ou que diferença representam com a venda dos seus produtos, de forma a inspirar o consumidor. É absolutamente fundamental que as empresas tenham bem definidas as causas que pretendem promover e de que forma pretendem apoiá-las.
Como exemplo de resiliência com (expectável) sucesso, saliento um projeto nascido na pandemia e que, no meu entender, constitui um dos projetos mais irreverentes no setor da moda. Refiro-me ao projeto que a Ralph Lauren inaugurou muito recentemente e que consiste na experiência de uma visita virtual às suas flagships stores (Nova Iorque, Beverly Hills, Moscovo, Paris e Hong Kong). Será esta uma tendência nos próximos anos?
É espantoso assistir à forma como marcas com um tradicional elevado volume de vendas e que têm vindo a cair de forma acentuada, foram resilientes ao ponto de ter a capacidade de potenciar a sua saída desta crise com mais força.
No final da linha, é absolutamente claro que temos hoje um consumidor diferente, tendencialmente integrado no online e bastante mais exigente no processo de compra em locais físicos, sendo por isso crucial que o Retalho não fique indiferente aos novos comportamentos e hábitos de consumo e que se ajuste ou se reinvente se necessário para permitir a sua competitividade no mercado.